Encaramos essa empreitada o Conrado e eu. Partimos no feriado de finados em direção de Córdoba. Foi um largo “tirão” até Rio Ceballos, onde pernoitamos. Pretendíamos na segunda etapa dormir já na província de La Rioja, no pequeno vilarejo de Chamical. Havíamos percorrido 1500Km e nosso cansaço foi amenizado pelo trato de uma gente hospitaleira. Como é reconfortante para o viajante o trato simples e amistoso das pessoas do interior. Constatei que por menor que seja o lugar, no interior da Argentina, sempre se encontra uma cabine telefônica para, por preço irrisório, chamar via internacional - um exemplo a ser copiado.
No outro dia, foi duro despertar cedo, ainda tínhamos 120Km até chegarmos ao complexo de Ischigualasto-Talampaya, que é o único lugar do planeta onde se encontra a seqüência completa de sedimentos do período triássico (surgimento dos dinossauros - lá encontraram restos do dinossauro mais antigo). Recorremos os parques com seus guias, que é a única forma de serem visitados. Sua importância geológica, paleontológica e arqueológica os fez merecer o título de Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2000.
Rumamos para o noroeste em direção aos Andes. Queríamos pernoitar em Villa Unión, Província de La Rioja, nossa base, para iniciar a subida da cordilheira e alcançarmos a Reserva dos Flamingos de Laguna Brava, declarada Reserva da Biosfera pela Unesco. Esta etapa era a mais emocionante e desafiadora.
O vilarejo de Villa Unión com cerca de 5000 habitantes e a 1.500msnm é um lugar pacato e talvez pelo clima quase desértico, lá tudo anda devagar. Optamos por descansar na simples mas cálida pousada Runacay. Decorada com bom gosto, era o lugar ideal para entrarmos no clima de aventura, pois seus proprietários, o geólogo Alejandro Tello e sua companheira francesa Chloe Seguin, foram pioneiros em desbravar os lugares mais inóspitos da Cordilheira Riojana.
Apesar de exausto, me fixei no ventilador de teto e custei a dormir. Tinha um pouco de receio da altitude. Madrugamos, me sentia bem e a atitude segura de nosso guia dissipou minhas dúvidas. Acertamos que iríamos em minha Cherokee e ele a guiaria. A viagem era de no mínimo 9 horas sobre terrenos pedregosos e íngremes e chegaríamos a 4.600msnm. A temperatura podia cair até 5ºC. Os chamados ventos Zonda, ao cruzarem a cordilheira, vindos do Pacifico, encontram o calor de um clima desértico e formam impressionantes redemoinhos, alcançando a 120Km por hora. Era um desafio, e era o que buscava.
Partimos cedo em direção ao sonolento povoado de Vinchina. Atravessamos a única rua do povoado, a ponte sobre o rio Bermejo e desembocamos num labirinto de curvas da Quebrada de La Troya. O caminho é de terra com enormes montanhas de pedra argilosa nos costados. À medida que subíamos, a cor do céu e das montanhas era mais intensa. O próximo vilarejo, Alto Jaguel, era o último vestígio de civilização antes de adentrarmos na imensidão da Cordilheira. Lá, a rua principal – que no verão se transforma num verdadeiro rio pela água dos degelos – é uma barranca de 1,5 metros de altura, sobre os quais se assenta o casario (casas de adobe com pequenas portas e janelas de madeira). Pagamos ao guarda o direito de transitar pela reserva e a partir daí continuamos através da Quebrada de San Domingo entre montanhas multi-coloridas. Estávamos nos primeiros dias de novembro mas já se fazia sentir o rigor do clima da Cordilheira. Chegamos com 21ºC e logo caiu para 5ºC. O vento era assustador, tanto que nosso guia avisou do cuidado ao abrirmos as portas, pois poderiam ser arrancadas. Coloquei meu gorro que me cobriria até o pescoço e foi difícil tirar uma foto com meu chapéu Indiana Jones. A Reserva de vicunhas e flamingos de Laguna Brava é um paraíso escondido no alto da Cordilheira Riojana. O silêncio, a quietude do lugar e a imagem da laguna branca cheia de flamingos cor de rosa e os picos nevados dos vulcões mais altos do mundo, Pissis (6.882msnm) e Bonete (6.759msnm), ao fundo, a dar-nos as boas vindas, valeu o risco que corremos.