Sabia bem do grau de dificuldade da escalada, agravadas pelo frio e a vertigem que me acomete nas alturas. Ademais, o clima no extremo sul é surpreendente. Em poucos minutos a temperatura pode despencar e fortes ventos podem complicar mais ainda. Eu pretendia fazer a escalada de 4 horas com guias experientes e com toda a segurança, mas era voz corrente entre turistas brasileiros que tal empreitada era proibida para maiores de 55 anos. Com minha campeira quebra vento e confiando nos muitos anos da prática de tênis, topei a parada. Tenho as canetas finas, mas firmes, e joelhos sem problemas para enfrentar a jornada. Era uma questão de honra, um golpe em minha auto estima de esportista, recuar nesse momento. Sou um pouco afoito mas não sou louco. Minha mulher me viu pensativo e meditabundo nas duas 2 horas de espera frente às passarelas do colosso de gelo. Comentei que estava decidido e enfrentaria o desafio.
Embarcamos para atravessar o Braço Rico e navegar em frente à imponente parede sul do glacial e aportamos em uma minúscula praia de areia vulcânica. Nos dirigimos ao refugio onde deixaríamos nossas mochilas. Nossos dois guias reuniram o grupo e iniciaram com as instruções. Colocamos os grampos que nos permitiriam mover-nos com segurança e ajudariam nos trajetos íngremes. Os guias repetiam: passos curtos, inclinando o corpo para frente na subida e para trás na descida. Ter o cuidado de não travar os pés. Agora era o momento de definição. As primeiras deserções iniciaram aqui. Alguns fumantes e pouco adeptos a caminhadas recuaram já no refúgio. Insistiram com as recomendações: pernas abertas, passos curtos e firmes. Flexão de joelhos. O sol refletia no gelo dando uma coloração violeta às geleiras. A temperatura era amena e não ventava. Era meu dia de sorte. Abri minha campeira quebra vento e usufruí de uma manhã com sol de brigadeiro. Willie, o guia de nosso grupo, depois de havermos subido uns 50 metros reuniu a todos novamente e fez a última pergunta: quem quiser desistir tem que ser aqui. Não podemos prejudicar todo o grupo para trazer alguém de volta. Novas deserções. Havia alguns ofegantes e outros amedrontados. Comentei que tinha vértigo e ele me olhou como que dizendo: que haces aquí, boludo! Eu vou continuar. Irei a teu lado e qualquer coisa aviso. Olhei a subida íngreme que tínhamos pela frente e pensei que para baixar seria pior, pois teria a pendente à minha frente. Um resvalão seria fatal, pois seria impossível controlar uma caída com o escorregadio que é o gelo endurecido. Mentalizei não olhar jamais para baixo, fixei os olhos sempre sobre meus passos. Sempre curtos e com as pernas abertas. Meus anos de tenista me valeram. Meus joelhos respondiam bem e mentalmente estava decidido a vencer o desafio.
Depois de um tempo, e já sem receios, achei que já estava de bom tamanho e poderíamos regressar quando o nosso guia disse: vamos agora conhecer a gruta dos horrores. Sem opção, aceitei, e iniciamos a descida. Juro que eu regressaria naquele momento. Valeu a pena, pois a tal gruta era como um túnel de gelo cor de azul anil e na sua saída uma mesa nos esperava pra brindarmos com wisky e chocolate o sucesso da jornada. Faltava um bom trecho até estarmos totalmente seguros, mas eu sentia-me realizado por ter vencido meus temores. Que gostosa é a vida quando se coloca um tempero a mais. Que pena que demorei a me interessar por turismo aventura. Tudo ao seu devido tempo. Antes tarde que nunca.