Ontem chegamos cansados da escalada das Dunas Vermelhas e de uma extensa caminhada pelo Vale da Morte. O meu companheiro estava exausto e foi direto para a ducha. Eu fui provar uma cerveja da Namíbia e iniciei conversação com a única pessoa que me acompanhava no bar. Contou-me que viajar era sua paixão e que havia sido, quando jovem, trapezista de um circo que recorria a Europa. Atualmente, mora em Cape Town, nos poucos momentos que tem de folga, pois é guia de turismo da companhia Nomad. Usava uma T-shirt que dizia: “É melhor viajar uma milha do que ler um milhão de livros”. Acho que se aprende muito viajando e que é uma experiência incomparável, mas a leitura é insubstituível.
Comemos nossa lasanha, que estava ótima, e nos recolhemos, pois partiríamos às 5 horas em direção a Maun, via Ganzi, enclave importante para quem viaja pelo Deserto de Kalahari. Enfrentamos o deserto em uma Zafira Opel, e nosso chofer, chamado Stephanes, tinha o pé bem pesado. O trajeto desde Windhoek, Namíbia, até Maun, em Botswana, é de oitocentos quilômetros e nós queríamos aproveitar para conhecer no trajeto um assentamento de pigmeus – os Bushmen (san), um dos povos mais antigos da terra.
Chegamos a Maun ainda a tempo de trocar dólares pela moeda do país: pula, que quer dizer chuva na linguagem Setswana, que é a língua oficial do país. Pedimos ao Stephanes que nos levasse até o Old Bridge Backpackers (mais um em nossa lista – para compensar o alto custo dos tours). Era uma indicação da Bíblia dos viajantes – Lonely Planet.
O Old Bridge foi uma grata surpresa. Muito bem decorado com motivos africanos e localizado justo na barranca do Tamalakani River. Estávamos apenas nós dois, alojados num quarto para oito pessoas. Dormimos ao som do correr das águas sobre a barranca e de dois enormes ventiladores de teto, em cima de nossas camas.
Na hora do jantar conhecemos uma americana que trabalha como voluntária para proteção das cheetas na África. Natural de São Francisco e muito amável, me disse, quando perguntei sobre a segurança do passeio de Mokoro, entre os juncos do Delta, que faríamos no dia seguinte: "Nada é seguro aqui na áfrica. Mosquitos vetores da malária, infestados com Plasmódios Falciformes, escorpiões, cobras, crocodilos e hipopótamos."
Hoje quando navegávamos em um estreito canal, entre juncos e minúsculas Vitórias Régias, com suas flores que lembram a margarida, veio-me a mente um documentário do Discovery Channel que mostrava a tragédia de um casal americano, em lua-de-mel no Delta. Eles navegavam em um canal, similar ao nosso, e, bruscamente a noiva foi atacada por um animal que até hoje não foi identificado, devido á velocidade do bote, desaparecendo para sempre entre os juncos.
Recorremos os pequenos canais, acampamos em uma enorme ilha, onde a primeira coisa que avistamos foram fezes de elefante.
O Okawango é o maior delta interior do mundo. Formado pelo espraiamento de suas ramificações, como uma folha de palmeira, lembrando o Delta do Nilo. Esta marcante paisagem era uma de nossas metas em Botswana, pois buscávamos os Patrimônios Naturais da Humanidade.
Estivemos fora do ar por vários motivos: cruzamos novamente parte do Deserto de Kalhajari; estávamos alojados em campings longe do centro dos lugarejos e também por falta de sinal.
Antes de partir do Delta do Okawango realizei um de meus últimos desafios pelas bandas de Botswana: voar sobre o Delta,em um Cesna, para ter uma real visão da magnitude daquele ecossistema único no mundo (pelo seu tamanho e a quantidade e variedade de vida animal selvagem). Fui convidado por um jovem antropólogo canadense e também por um jovem casal de instrutores de mergulho em Zanzibar (ela inglesa e ele alemão). Um grupo bem eclético. É importante a união das pessoas por essas paragens, pois os tours sempre tem um preço fixo e é uma forma de baratear a viagem, dividindo por um maior número de pessoas.
Decolamos às 17 horas e ainda tínhamos sol suficiente para realçar o azul dos pequenos canais e do verde dos juncos, das acácias e de alguns baobás. A visão de 360º me proporcionava a sensação exata da vastidão daquela exuberante geografia e de manadas de elefantes e búfalos.
Ao retornar ao nosso charmoso Old Bridge, enquanto o Benhur escrevia seu último conto do novo livro, fui até o bar e conheci o simpático espanhol Pedro, que viajava sozinho em seu carro alugado e sua barraca pelo interior da África.
Pedro fazia-me lembrar a seu xará, Pedro Castagno, parceiro de tênis por vários anos na Europa, onde me recebia fidalgamente em sua residência, em Torreviejas, Alicante. Era muito divertido e usava os tradicionais termos tão comuns aos espanhóis: pues vamos hombre; es de la hóstia ( muito bom); esos son unos jilipoyas ( babacas) e siempre se armam follones ( rolos) com ellos.
Pedro, com seus 34 anos é um típico Don Juan e señorito contemporâneo. Trabalha na organização de eventos e seguidamente viaja ao vizinho Marrocos para comprar tapetes e outras peças para suas decorações. Conversando, soube que viajaria para Kasane no próximo dia e esse era também nosso destino. Perguntei-lhe se havia a possibilidade de viajarmos juntos. Propus que a gasolina seria por nossa conta e também seria meu convidado para o lanche. Disse que seu carro era pequeno, mas que se coubesse nossa bagagem seria um prazer.
Presenteei-o com meu livro, que sempre me ajuda a abrir portas (apesar de não ser um escritor) e que faz parte de minha bagagem de aventureiro e empreendedor. Tínhamos algo em comum: somos aventureiros.
Resumo da história: fomos de carona, um pouco apertados, mas nos divertimos muito e enfrentamos os seiscentos e cinqüenta quilômetros que separam Maun de Kasane, passando ao sul do trajeto novamente pela vastidão do Deserto de Kalajari ou Kaglagadi, em língua setswana. O kalajari é uma das regiões de natureza virgem mais extensa do mundo. Retas intermináveis, vegetação escassa, formada de pequenos arbustos espinhosos e esparsas acácias. De vez em quando, um gigante baobá decora a paisagem.
Enfrentamos o árido trajeto que nos lembrava o agreste nordestino (comentei ao Benhur que só nos faltava encontrar o Lampião) escutando Joaquim Sabina, Pavarotti e Frank Sinatra. O que para nós seria um dos últimos problemas estratégicos a resolver (esse tramo não tem serviço de transporte público regular e os existentes são muito precários e não confiáveis) transformou-se em momentos de convívio solidário. A aventura, a música e o desejo de fazer novas amizades colocaram-nos no mesmo caminho.
Chegamos a Kasane a tempo de buscar um bom lugar para descansar e colocar toda a harmonia de nosso esqueleto no devido lugar. Uma boa ducha quente seria reparadora.
Pedro armou sua barraca e Benhur e nós nos instalamos num modesto e exótico chalé de bambu com todo o conforto (split e banheiro de fibra com água abundante e bem quente).